Francisca Medeiros* eh fonte
Um terço dos bovinos brasileiros está na região amazônica e somente dois estados – Mato Grosso e Pará – detêm cerca de 59 milhões de reses ou 25% do rebanho nacional. Conseguir uma atividade rentável e que não exerça pressão sobre a floresta é o maior desafio dos criadores desta vasta região. Muitas iniciativas públicas, privadas e do terceiro setor já têm alcançado resultados animadores. São projetos que reforçam a ideia de que a produção de carne pode se harmonizar com a natureza, proteger a biodiversidade e ser socialmente inclusiva.
Um marco neste propósito é o Grupo de Trabalho (GT) da Pecuária Sustentável, formado por diferentes segmentos da cadeia de valor da pecuária bovina e implementado há 15 anos. Entre membros e observadores são mais de 50 representantes de associações de criadores (Acrimat entre elas), indústrias, varejistas, bancos, organizações da sociedade civil, centros de pesquisas, universidades e governo federal.
Como o compromisso do GT é com o desmatamento zero, ele desenvolve mecanismos para estimular e compensar quem aposta na pecuária de baixo carbono. Este trabalho de promoção da sustentabilidade tem exigido o aprimoramento de ferramentas para monitorar e rastrear toda a cadeia, além de mudanças nos critérios de produção, compra e financiamento da atividade. E ainda têm sido criados incentivos econômicos para quem se sobressai nesta missão.
Um dos protocolos de intenções assinados entre o GT e os ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e Embrapa traz como objetivo a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas. Já foram formulados guias de referência técnica com linguagem acessível para alcançar mais produtores e firmadas parcerias com órgãos de extensão rural, como a Empaer em Mato Grosso. O protocolo inclui a criação de unidades de demonstração para receber visitas técnicas e a premiação de projetos que se destacam.
Outro fórum permanente de discussão é a Mesa Brasileira de Pecuária Sustentável, uma associação pioneira que reúne mais de 60 organizações dos sete elos da cadeia da pecuária (produtores, serviços, bancos, indústrias, varejos e restaurantes e a sociedade civil). No trabalho de articular a cadeia, esta organização multissetorial mantém grupos de trabalho, por exemplo, para discutir clima, uso da terra, pagamentos sobre serviços ambientais (PSA), rastreabilidade e bem-estar animal.
A propósito, as práticas na pecuária já mudaram muito, acompanhando a evolução do conceito de bem-estar animal. Se antes a ideia incluía os cuidados para prevenir o sofrimento dos bichos, agora, à medida que se aprofundam as pesquisas sobre comportamento, a preocupação também é com a promoção de experiências positivas aos animais. Às interações comportamentais se somam, claro, os cuidados tradicionais com a nutrição, o ambiente físico e a saúde.
Outra iniciativa é o Protocolo Boi na Linha proposto pela associação Imaflora em parceria com o Ministério Público Federal. Ele estabelece critérios para garantir a responsabilidade socioambiental na produção de carne bovina na Amazônia Legal. Em cinco anos de atuação, já foram gerados protocolos para monitoramento da compra de gado dos frigoríficos e para auditorias dos processos. Segundo as indústrias brasileiras exportadoras de carne, 87% dos bovinos da região já são monitorados por protocolo firmado pelos fornecedores de carne e 82% são auditados.
Em Alta Floresta, no norte de Mato Grosso, a Pecsa, uma empresa de gestão e parceria agropecuária, em uma década de atuação tem resultados para mostrar sobre como a intensificação tecnológica pode melhorar a produtividade na pecuária amazônica. E quando se cria mais animais por hectare evita-se a abertura de novas áreas.
O modelo da Pecsa (Pecuária Sustentável da Amazônia) prevê a reforma de fazendas com investimento em conhecimento para aumentar a produção, mas sempre com adequação ambiental: desmatamento zero, respeito às reservas legais e recuperação de matas ciliares com espécies nativas. O bom manejo das pastagens é central, todos os animais são identificados individualmente, bebem em reservatórios dentro das áreas de descanso e recebem suplementação nutricional.
O resultado é que as emissões de gases de efeito estufa são reduzidas em mais de 90% – cada quilo de carne resulta na produção de menos de 7 kg de CO2. Valdo Telles, um dos fundadores e diretor-executivo da Pecsa, em uma entrevista à revista Época, mostrou otimismo para além da Amazônia. “É perfeitamente possível colocar todo o rebanho brasileiro em metade da área disponível de pastagem”, disse, ressaltando, porém, que, além da mudança de modelo produtivo, é preciso acesso a mais crédito para um investimento cujo perfil é de longo prazo.
A pecuária brasileira precisa avançar nos mecanismos de rastreabilidade, uma exigência de um mercado globalizado. A legislação antidesmatamento da União Europeia que começará a valer em janeiro de 2025 prevê que o Brasil rastreie todo o ciclo de vida dos bovinos e de todas suas movimentações até o abate. De outro lado, estes mecanismos também ajudarão a segregar os produtos fora de conformidade para não ter risco de comprometimento da produção e dos negócios.
A China tem falado também que quer mais transparência da cadeia de suprimento da carne bovina brasileira e que pode estabelecer uma plataforma de rastreabilidade. Coreia do Sul e Japão também são mercados que prometem criar novas condicionantes ambientais.
É indiscutível que a agenda ambiental deve caminhar lado a lado com a agenda produtiva e econômica. Em definitivo, elas estão ligadas. E o importante é que elas se comuniquem em todos os fóruns possíveis e que este diálogo seja transparente e propositivo para que a pecuária sustentável se firme na Amazônia, com ganhos econômicos, sociais e ambientais para todos os envolvidos, do início ao fim da cadeia, sem deixar ninguém de fora.