Um Pantanal ameaçado

Depoimento de José Medeiros*, repórter fotográfico

 

Eu documento o Pantanal há mais de 30 anos, tenho um olhar voltado para as pessoas. Fotografo gente no Pantanal e gosto da troca, da cultura, do conhecimento. A percepção que essas pessoas têm do Pantanal é única. Um pantaneiro me disse uma vez: “Zé, eu vou para a cidade. Lá, o tropezeiro é de carro, Zé, que eu não aguento. Aqui no Pantanal, o tropezeiro é de passarinho.” Isso é bonito, não é? E ele ainda falou: “Até o ar do tempo do Pantanal é diferente.” Então, imagine isso: o ar do tempo. É a percepção do cantar do passarinho, do amanhecer, do esturro da onça, do estalo do laço… quando estão conduzindo o gado no meio do Pantanal. São esses sons que percebemos nesse tempo, nesse tempo do Pantanal.

O Pantanal está passando por um período de seca há muito tempo. Há um temor. Hoje, as águas do Pantanal são contaminadas. Tem estudos falando sobre isso. Como podemos perceber? O Pantanal não tem uma nascente, é uma planície. As nascentes estão no Cerrado. Estamos em  Mato Grosso, o  maior celeiro, o maior cenário agrícola. Aqui estão os maiores produtores de soja, os maiores produtores de algodão. Mas essas nascentes estão nessas áreas onde se produz o alimento para o Brasil. Então, imagine o impacto que isso traz para o Pantanal (com agrotóxico). Para as pessoas que vivem lá, onde as crianças tomam banho no rio, onde elas bebem a água do rio, onde comem o peixe desse rio. E nisso, os bichos também vivem desse rio.  Em alguns lugares, só há acesso ao rádio. Então, muitos não sabem o que está acontecendo com o mundo. Eles acham que vivem em um santuário. O Pantanal é um santuário, mas é um santuário ameaçado.

O Pantanal está pegando fogo agora, em agosto. Já vinha pegando fogo desde o começo do ano. Mas o que está sendo feito? As decisões estão sendo tomadas agora, quando o fogo já está acontecendo. E já tivemos uma experiência com esse fogo em 2020. Não dá para ficarmos discutindo, discutindo, discutindo. Precisamos começar a ter ações. Ações para inibir, para combater, campanhas para conscientizar. Existe essa discussão entre governo federal, governo estadual, ONGs, sociedade, produtores, comunidades ribeirinhas, mas acho que as decisões são tardias.

*José Medeiros coordena o projeto ‘Pantanal +10′ (2020 a 2030), que tem como objetivo retratar as transformações do bioma. Ele acompanha a situação dos pantaneiros, o impacto ambiental e os reflexos das mudanças climáticas. 

https://pantanalmais10.com.br/

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