A crise climática e a COP das verdades

Por Rodrigo Vargas 


Primeiro veio a COP da Amazônia, sob o pressuposto de que a realização de uma conferência do clima na ilha urbana que é Belém pudesse interferir de algum modo nos seus resultados. Depois veio a ideia da COP da Implementação, centrada em converter boas intenções em medidas concretas e mensuráveis.

Pouco antes da abertura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cunhou em discurso mais um epíteto ao megaevento: a COP da Verdade, a partir da qual o mundo passaria a impor a velocidade necessária ao enfrentamento da crise.

Ao fim das duas semanas de negociações entre representantes de mais de 190 países, é possível afirmar que Lula foi certeiro ao definir o caráter da COP30, mas em um sentido bastante distinto do que provavelmente imaginava.

É que, do mesmo modo que é verdade que vivemos uma emergência sem precedentes na história humana, com populações pobres e marginalizadas sofrendo mais e primeiro seus efeitos, é incontestável que o poder econômico segue dando as cartas no pôquer geopolítico global.

Não foi por acaso que, atrás apenas do anfitrião Brasil, a segunda maior delegação presente a Belém era formada pelo time de lobistas do setor de combustíveis fósseis. Foram mais de 1.600 “infiltrados”, o que supera em muito a soma dos delegados dos dez países mais vulneráveis.

Analisando os resultados finais, não é preciso ser um especialista em relações internacionais para entender qual verdade prevaleceu. No chamado “Pacote de Belém”, que reúne os 29 documentos aprovados na conferência, não há uma menção sequer aos combustíveis fósseis.

É como se, ao final de um encontro de especialistas para o combate ao câncer de pulmão, fosse publicado um plano de ações ignorando deliberadamente a existência do cigarro e as contribuições de sua indústria multibilionária.

Esse tipo de encaminhamento, porém, não é um ponto fora da curva nas discussões climáticas recentes. Belém foi minha quarta participação presencial em COPs e, à exceção de avanços pontuais e de alcance limitado, a desconexão entre a verdade do clima e a dos espaços de negociação esteve sempre presente nos textos finais.

A diferença positiva, desta vez, partiu de uma iniciativa da Colômbia, que convocou para abril de 2026 uma espécie de COP paralela, voltada a discutir apenas o gigantesco elefante que monopoliza a sala planetária e que, segundo o consenso científico, é a causa da emergência climática que vivemos.

Talvez, em uma “COP dos Combustíveis Fósseis”, seja finalmente possível avançar, provavelmente com um grupo de países inicialmente menor do que o necessário, na agenda que vem sendo adiada ano após ano pela necessidade de um consenso cada vez mais improvável.

O anúncio vai na linha do que defendeu a ativista Rameen Siddiqui, em artigo recente para o site Modern Diplomacy. No texto, ela diz que a era das grandes conferências, com seus acordos amplos e de cumprimento voluntário, chegou ao fim. “A questão não é mais como consertar a COP, mas o que devemos construir a partir de seus destroços”, afirmou.

Segundo ela, em lugar de uma grande tenda global que acomode as ambições e circunstâncias de quase duzentos países, é preciso criar uma coalizão daqueles dispostos a abrir caminho e liderar essa transição, no que chamou de “Aliança para a Implementação”.

“Esta aliança seria construída sobre três princípios centrais: Primeiro, participação obrigatória: os membros concordariam com metas nacionais legalmente vinculativas e executáveis, indo além das contribuições voluntárias. Segundo, membros focados: estaria aberta a qualquer nação, das mais vulneráveis às maiores economias, que levasse a sério a auditabilidade e as consequências(…) Terceiro, um mecanismo de responsabilização independente: um corpo tecnocrático, isolado da barganha política, monitoraria o progresso e aplicaria sanções por não conformidade.”

No cenário atual, no qual o próprio multilateralismo luta para sobreviver, não vejo outro caminho possível. A dúvida que me aflige é se temos tempo para começar um movimento que busque arrastar pelo exemplo, mas sem escala para reduzir as emissões no volume que a ciência preconiza.

A meta de zerar o balanço de emissões até 2050 é crítica para o presente e o futuro e, dez anos após o acordo de Paris, segue longe do ritmo ideal. Enquanto isso, os eventos climáticos extremos se intensificam, causando mortes, destruição e prejuízos pelo mundo, especialmente entre os mais pobres.

Nas COP 31 e 32, que serão realizadas respectivamente na Turquia e na Etiópia, esperamos que essa verdade inconveniente finalmente seja reconhecida.

*Rodrigo Vargas é jornalista em Cuiabá.

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