Por Josana Salles
A Justiça Climática e o uso de provas como imagens de satélite pautaram um debate sobre o julgamento de crimes ambientais, como o desmatamento ilegal. A discussão reuniu na COP30, em Belém (PA) , representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Advocacia-Geral da União (AGU), do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e da Rede LACLIMA, composta por mais de mil advogados especializados em Direito Ambiental.
O encontro foi realizado em uma casa histórica na Cidade Velha e coordenado por Alice Thuault, diretora executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), abordando temas como litigância climática, a comprovação de danos ambientais e a necessidade de aproximar o sistema de Justiça dessas questões urgentes.
O caso Cristalino II: um emblema de desafios e possibilidades
Localizado no norte de Mato Grosso, o Parque Estadual Cristalino II abriga uma das áreas mais preservadas da Amazônia no estado, mas é alvo de disputa judicial há anos por invasões e tentativas de desafetação. O caso foi citado no evento como exemplo de conflito socioambiental ainda sem solução definitiva. Daniel Azevedo Lobo, procurador da República e secretário de Perícia, Pesquisa e Análise (SPPEA) do MPF, destacou a importância das parcerias entre autoridades públicas, comunidades tradicionais e sociedade civil para enfrentar esses desafios.
“O papel do Ministério Público é essencial, pois ele atua como um elo entre essas populações e os espaços de decisão, garantindo que suas vozes sejam ouvidas”, afirmou. Para ele, o envolvimento ativo das populações indígenas, quilombolas e outras que atuam diretamente nos territórios é crucial para que suas demandas sejam compreendidas e efetivamente atendidas. “Isso fortalece tanto a ação do MPF quanto o diálogo em torno de questões que afetam diretamente essas comunidades.”
Ações da AGU e a busca pela Justiça Climática
A atuação da Advocacia-Geral da União (AGU), por meio do Pronaclima, também foi um ponto central do debate. Natália de Melo Lacerda, coordenadora do programa, destacou a complexidade dos conflitos que envolvem terras indígenas e unidades de conservação, bem como o esforço da instituição para ir além de sua tradicional posição de ré em processos ambientais.
“Hoje, a AGU também atua como propositora de ações em defesa do meio ambiente e da Justiça Climática. A atuação em parceria com a sociedade civil para implementar projetos é fundamental para atender às demandas dessas comunidades”, explicou Natália.
Ela ressaltou que iniciativas como o programa AGU Recupera, criado em resposta às queimadas da Amazônia, demonstram como estratégias bem estruturadas podem gerar resultados eficazes. O caso Cristalino II foi mencionado como exemplo de um processo no qual a AGU já busca legalmente o reconhecimento do dano ambiental.

Foto: João Paulo Krajewski
O papel das provas e da responsabilidade institucional
Walter de Simoni, gerente de Políticas Climáticas e Direito do Instituto Clima e Sociedade (ICS), reforçou a necessidade de se avançar na responsabilização das instituições. Ele apontou que o desmatamento, tanto legal quanto ilegal, não apenas impõe danos ao meio ambiente, mas também afeta o mercado de trabalho, gerando prejuízos econômicos e sociais significativos.
“A luta jurídica para reconhecer o dano climático é um desafio. A resistência do Judiciário em aceitar esse conceito é uma barreira que precisa ser superada”, destacou Walter.
O debate, promovido pelo “Tribunal do Clima”, uma série de encontros realizados durante o CCCA Climate Hub em Belém —, evidenciou a importância da união entre sociedade civil, agentes públicos e Justiça para enfrentar os desafios da Justiça Climática. A combinação de tecnologias como imagens de satélite, dados robustos e arcabouços legais sólidos fortalecerá as bases para combater crimes ambientais de forma cada vez mais eficaz.
Decisões e iniciativas: o avanço da Justiça Climática
As ações discutidas durante o encontro destacaram avanços significativos no plano legal e institucional em prol da Justiça Climática. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, vem desempenhando um papel crucial com a criação de protocolos e resoluções voltados à proteção ambiental — muitos ainda pouco conhecidos nos tribunais:
Essas medidas mostram que o Judiciário começa a construir um sistema próprio de proteção climática, que vai desde protocolos de julgamento até políticas internas de sustentabilidade. Entre as principais resoluções, estão:
• Protocolo para Julgamento de Ações Ambientais (Recomendação CNJ n. 145/2023): orienta magistrados a considerar danos climáticos em ações ambientais e aplicar métodos para cálculo dos impactos, como emissões de gases de efeito estufa pela destruição de vegetação nativa.
• Protocolo de Crise Socioambiental (Resolução CNJ 646/2025): estabelece diretrizes para lidar com crises climáticas, desde a prevenção e preparação até a resposta emergencial.
• Política de Sustentabilidade no Poder Judiciário (Resolução CNJ 400/2021): estimula práticas ambientalmente corretas e a neutralização de emissões de carbono com o programa Carbono Zero (Resolução CNJ 594/2024).
• Resolução 433/2021: garante ações integradas em todo o Judiciário para fomentar a Política Nacional do Poder Judiciário para o Clima e o Meio Ambiente.
MMA e o caminho jurídico
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) também avançou com a aprovação de critérios que qualificam e quantificam danos climáticos, incluindo especificações sobre emissões de gases de efeito estufa. Tais parâmetros oferecem uma base sólida para ações judiciais mais consistentes, como destacou Walter de Simoni: “A criação de um arcabouço mais robusto é essencial para garantir que os danos ambientais recebam a devida atenção no Judiciário.
”O consenso entre os palestrantes aponta para um longo caminho de alinhamento entre o Judiciário e as demandas climáticas. “A busca por segurança jurídica é essencial para que as iniciativas de proteção ambiental sejam implementadas com eficácia e respeitadas. Isso exige advocacy, educação e uma abordagem contínua e colaborativa”, concluiu Natália Lacerda.
A avaliação é que a convergência entre Justiça, sociedade civil e órgãos ambientais ainda é um desafio, mas o caminho para uma Justiça Climática mais efetiva já começou a ser traçado.
*Foto: Lucas Araújo